Chegou e sentou-se lá ao fundo. Está na última das doze filas
sala. Nas suas costas só tem a parede que lhe dá uma sensação de protecção.
Quase sempre, quando ali chega, senta-se na cadeira junto ao
canto, mais longe da entrada.
Quando chegou o “seu” lugar já estava ocupado. Isso
perturbou-o, pois ali ficava protegido de dois lados.
Hoje atrasou-se. No caminho para aqui, encontrou um colega de
escola. Tentou fugir dos olhares dele, mas não resultou. Quando ambos já
estavam de costas, depois de se cruzarem, sentiu ser puxado pelo braço.
Não havia dúvidas. Era mesmo o colega de carteira de há
trinta e tal anos que o tinha começado a chamar Gordo Badocha.
Agora, passado tanto tempo, já estava magro, tentando
esquecer o passado.
Acontecia-lhe periodicamente. Sempre que pensava que já tudo
estava ultrapassado, algo inesperado o impedia de seguir em frente. O que
pensava que já estava arrumado num canto da memória, voltava ao de cima, contra
a sua vontade.
Sentado mais a meio da última fila da sala, ainda não tinha identificado
quem o ladeava.
Olha disfarçadamente para a direita. Está um colega com quem
tinha antipatizado desde a primeira hora. Não pode fugir e mudar de sítio.
Todos os lugares da sala já estão ocupados.
Do outro lado está uma mulher. Está demasiado perto para
poder olhar directamente sem ser pelo canto do olho, mas pelo que conseguiu
observar terá mais ou menos a sua idade. Os seus olhares nunca se cruzam até ao
intervalo.
Quando ao fim de duas horas, saem da sala para uma pausa e
apanharem ar, encontram-se frente a frente.
Ela sorri-lhe e diz-lhe:
“Não te lembras de mim?”
Ele mostra um ar de espanto, não reagindo.
“Desculpa, mas não me lembro do teu nome. Na escola só te
conhecia por Badocha. Agora estás tão magro que quase não te reconhecia.”
Ele continua sem dizer uma palavra.
“Se calhar não te lembras de mim. Eu estava na 3ª classe e tu
andavas um ano mais à frente.”
A boca dele continua fechada. Tentava recuar muitos anos.
Exactamente para o período que tentava apagar.
“Quando andávamos na primária eu tinha um fraquinho por ti.”
Ele, nem quer acreditar no que está a ouvir.
“Éramos muito miúdos. Desde o dia em que estava a chorar no
recreio e tu vieste ter comigo e me deste uma flor branca, um malmequer, fiquei
sempre de olho em ti. Só mais tarde percebi o que sentia.”
O ex-colega recorda a vida até aos quarenta e dois anos, que
agora tem. Nunca teve uma mulher. As relações com o outro lado da vida não
tinham existido. Nunca se imaginou a partilhar sentimentos com alguém.
“Não aguento mais, tenho que dizer-te. Gosto muito de ti e
quero viver contigo.”
Paulo, pela primeira vez, dá um beijo, mas não como os que
estavam guardados para a sua mãe.
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