Solidão


Esta palavra aparece-nos muitas vezes com um sentido da negação de vida em sociedade. Associamo-la a um isolamento e a um vazio interno. Mas este sentimento pode ser originado de uma forma premeditada ou de uma forma inconsciente.

De um modo propositado, pode ser quando nos queremos isolar, como por exemplo, como fiz, para me concentrar para escrever este texto. Há porem, duas actividades que se identificam. São os escritores e os corredores de fundo, porque nos seus desempenhos estão isolados consigo próprios.
Os primeiros, porque precisam de sossego e paz de espírito para poderem deitar tudo cá para fora e estarem sós com a sua escrita e melhor exporem a criatividade que querem partilhar com os outros. Os segundos, porque mesmo correndo, por vezes acompanhados com centenas ou milhares de outras pessoas, estão sós a desenvolver um esforço sobre-humano e tentam que a persistência psicológica lhes permita resistir até ao limite das suas forças físicas.
De uma forma não controlada ou não consciente pode ser quando temos alguma perda que nos afecta. Pode ser na consequência de um divórcio, duma morte, de um amigo que nos desilude e de quem nos afastamos, da perda inesperada de um emprego.
Entre quando nascemos, e desde logo somos separados da nossa mãe, após nos cortarem o cordão umbilical, e até quando morremos que é o estado de maior solidão, temos durante o período que separam aquelas duas datas, vários diferentes estados de solidão.
Podemos mesmo passar por um estado de solidão extrema que pode originar uma depressão que só com acompanhamento médico poderá ser resolvida. Isso verifica-se quando não conseguimos sem ajuda externa saltar daquele estado letárgico. Nós próprios podemos não nos aperceber que estamos a precisar de acompanhamento médico, tendo de ser, os que nos estão mais próximos, a alertar-nos e a encaminhar-nos para uma possível solução.
Um tema que sempre me interroguei é porque é que há a preocupação de em relação às pessoas cuja morte é previsível e quase com data marcada, como os doentes terminais e outros, haver a necessidade de familiares e amigos não deixarem essas pessoas morrerem sozinhas e estarem presentes quando deixam de estar entre nós.


 
Estranho mesmo que havendo religiões que defendem a existência de vida além da morte, serem os maiores defensores de ninguém dever morrer sem companhia.
A morte conforme disse anteriormente é um estado de solidão extrema, para o qual não existe solução, enquanto em todas as outras situações, em vida, podemos sempre tentar ajudar e apoiar. Existirá maior solidão do que após o fim da vida estar numa morgue tapado com um lençol?
Um dado estatístico importante é que as mulheres têm uma maior esperança de vida de cerca de dez anos que os homens. Como sobreviverão pelo menos uma década mais que os seus companheiros de vida, terão de resistir à solidão. Muitas vezes, mesmo antes da viuvez, para combater o isolamento têm animais de estimação como gatos e cães, com quem falam como se fossem seres humanos. Um dos outros comportamentos de escape é arranjarem rotinas que as façam sair de casa, como ir todos os dias à padaria, ao café, à mercearia do bairro, se for preciso até várias vezes com a desculpa que se esqueceram de qualquer coisa.
Acho que as mulheres resolvem melhor esse período de solidão que os homens e tentam encontrarem-se umas com as outras para conversarem, passear, viajar ou beber um chá. Tentam com o convívio em grupo ampararem-se umas às outras. Já os homens têm mais tendência de se isolarem e serem mais caseiros fechando-se em si próprios não exteriorizando os seus sentimentos e emoções. Grande maioria após uma vida de trabalho fazem uma quebra de umas rotinas, para passarem para outras que os leva ao isolamento.
É importante que ambos os sexos arranjem no final da vida activa, uma perspectiva de como ocuparem os tempos quando estiverem na reforma. Muitas vezes a partir de certa idade as pessoas começam a dizer: “Quando me reformar vou fazer isto ou aquilo de que gosto muito e que nunca fiz”. Tal é uma ilusão pois depois surgem mil e uma desculpas para não as fazer e são muito raras as pessoas que cumprem desejos naquela fase de vida.
Por vezes nalguns casos uma das falsas soluções para esta altura é levar ao extremo o dedicarem-se aos netos que se forem ainda pequenos e dependentes podem ocupar-lhes o tempo de uma forma excessiva. Acabam por ter uma reacção inversa e começam a pensar que a solidão positiva que poderiam ter naquela época é substituída por umas rotinas que lhe não deixam tempos livres próprios.


E o que é a solidão positiva? É o gostar de vez em quando de não ter horas para levantar ou deitar. É se hoje apetecer ir ao cinema, ir. É o fazer o que nos apetece, quando nos apetece. É quando numa relação partilhada com um companheiro(a), o outro perceber que todos nós mesmo que estejamos bem pessoal e profissionalmente termos os nossos momentos de solidão desejada.
Esta sensação também pode acontecer após o fim de uma relação amorosa em que nos sentimos livres de um fardo, e queremos usufruir novamente com uma sensação de liberdade.
A solidão positiva é também o fazermos uma introspecção: de onde viemos, onde estamos e para onde queremos ir.
No caso de uma solidão negativa/depressão, só achamos que tudo está mal, nós, os outros, o mundo em geral. Não nos conseguimos integrar familiar ou socialmente, não estamos bem em nenhum lugar. No limite pode mesmo levar ao suicídio.
Talvez não seja por acaso que em Portugal a zona onde há mais suicídios é o Alentejo onde o fraco índice populacional e respectivo isolamento provocam uma solidão imensa. Quando vemos as paisagens daquela zona, quem vem de fora e mais ainda se vier do stresse e do bulício das grandes cidades, congratula-se com aquele sossego e a calma daquelas zonas, mas é exactamente isso a causa da solidão tão profunda de grande parte daquelas populações.
A grande causa que explica o aumento da solidão na nossa população, teve origem na migração que houve nos meados do século XX: do interior para o litoral, do campo para a cidade e a emigração do país para o estrangeiro.
Enquanto nas suas terras de origem as pessoas se conheciam todas e se cumprimentavam pelos seus nomes, com o deslocamento populacional que se verificou, inicialmente ainda mantiveram algum contacto entre si conforme as zonas de origem, criando núcleos de transmontanos, alentejanos, etc. Posteriormente com a desertificação das cidades, inclusive de bairros tradicionais para as periferias passaram a habitar em edifícios em que as pessoas não se conhecem e onde desapareceu o espírito de solidariedade e onde cada um está por sua conta, acelerando o isolamento e a solidão.
Podemo-nos perguntar, dos nossos vizinhos, de quantos sabemos os seus nomes?

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